Segundo professor da UFAL, Cícero Péricles, medida pode reduzir ainda mais acesso a oportunidades de emprego e qualificação profissional de jovens carentes
A
decisão do governo federal de reduzir pela metade, até 30 de junho, as
contribuições recolhidas pelas empresas para financiar instituições do
Sistema S, pode prejudicar a população de regiões com menor poder de
investimentos no país. A avaliação é do doutor em economia e professor
da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Cícero Péricles.
No caso do estado, a preocupação, segundo ele, é que jovens carentes
tenham menos acesso ainda a oportunidades de emprego e qualificação
profissional.
“Os cortes no Sistema S, principalmente no SENAI e no SESI, afetaram
de maneira mais dura as regiões mais pobres e menos industrializadas do
Brasil, como é o caso do Nordeste. Nessa região, a rede de formação
profissional e as estruturas de apoio à indústria, como o sistema de
pesquisa para a inovação, acesso à tecnologia, à assistência técnica e a
consultorias são reduzidos se comparado com as regiões mais ricas”,
pontua.
Alagoas possui cinco unidades do SENAI, distribuídas em Maceió, São
Miguel dos Campos, Coruripe e Arapiraca e conta com sete unidades do
SESI, na capital e em Arapiraca. A escola SESI/SENAI Benedito Bentes,
que oferece educação integrada com ensino profissionalizante em tempo
integral, atende os moradores de Maceió. Atualmente, 2.651 jovens
estudam nos ensinos fundamental e médio em unidades do SESI.
Segundo Péricles, a estrutura do Sistema S oferecida é uma das únicas
alternativas para colocar o estado em pé de igualdade com outras
regiões brasileiras, como Sul e Sudeste. Por isso, o especialista
acredita que a limitação de serviços essenciais aos alagoanos, que pode
ocorrer em consequência ao corte nos recursos, agrava o cenário de
crise.
“Os estados mais pobres contam com a rede SESI e SENAI para compensar
sua histórica carência de mão de obra especializada e de estrutura de
apoio ao setor industrial, que de forma direta, garantem parte da
competitividade dessa região. Essa decisão [do governo] está baseada em
algo momentâneo e desarticula uma estrutura complexa construída ao longo
dos anos”, critica.
No Congresso Nacional, parlamentares se mobilizam para amenizar os
impactos. O vice-líder do governo no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF),
revelou que está em contato com membros da área econômica do Planalto
para reduzir o corte, que já começou a valer nesta quarta-feira (1°).
Ele também apresentou uma emenda para suprimir esse corte da Medida
Provisória 932/20, que precisa ser aprovada pelo Legislativo para
continuar em vigor. “Nós não podemos mexer nas coisas que funcionam. E
se tem uma coisa que funciona no Brasil, e bem, é o Sistema S. Quem
contribui são as grandes empresas e quem será penalizada são as pequenas
empresas”, pondera o parlamentar.
Consequências negativas
Responsável por administrar SESI e SENAI, a Confederação Nacional da
Indústria (CNI) alega que o corte de 50%, estendido a entidades ligadas
ao comércio, transporte, cooperativismo e setor rural, vai afetar “de
forma drástica” a assistência prestada à população, em especial na
educação básica de jovens de baixa renda, no atendimento à saúde do
trabalhador e na formação profissional.
“Ao reduzir os recursos destinados ao SESI e ao SENAI, sob a
justificativa de aliviar o caixa das empresas, o governo desarticula e,
em alguns casos, inviabiliza a principal rede de apoio à tecnologia e à
inovação de empreendimentos industriais”, afirma o presidente da CNI,
Robson Braga de Andrade.
Com orçamento menor, o fechamento de escolas, vagas de qualificação e
até demissões de trabalhadores podem ser tornar realidade. O SENAI
estima que 136 centros de educação profissional e de serviços
tecnológicos e de inovação podem ser fechados e 830 mil vagas de
qualificação profissional podem deixar de ser ofertadas.
Já o SESI teme que 150 escolas e centros de atendimento à saúde do
trabalhador fechem as portas e 217 mil vagas para alunos de educação
básica e continuada deixem de existir. A instituição prevê ainda que 1,9
milhão de pessoas poderão sofrer com a falta atendimentos em saúde. Até
a estrutura de ciência e tecnologia mantida por SESI e SENAI pode ser
afetada com os cortes e gerar a demissão de especialistas e
pesquisadores que formam a maior rede de apoio à inovação do país.
Combate ao coronavírus em risco
Desde que a pandemia de Covid-19 agravou a crise econômica e social
no país, SESI e SENAI têm unido esforços para ajudar, em parceria com
setores da indústria e federações estaduais, a suprir hospitais públicos
com insumos e equipamentos necessários ao tratamento infectados, como
máscaras, aventais e respiradores mecânicos. Além disso, as duas
instituições destinaram, por meio do Edital de Inovação, R$ 15 milhões
para projetos que tenham aplicação imediata e sejam destinados a
prevenir, diagnosticar e tratar pacientes com coronavírus.
O SENAI também já colocou à disposição, de forma gratuita, 100 mil
vagas em cursos a distância com temas ligados à indústria 4.0, enquanto o
SESI, tem realizado vacinações contra a gripe comum em diversos
estados, com capacidade imunizar até 1,4 milhão pessoas.
Caso o corte anunciado pelo governo seja mantido, o presidente da CNI
indica que essas ações podem ser suspensas e até canceladas. “O Sistema
Indústria está à disposição das autoridades brasileiras para adotar
outras iniciativas que se façam necessárias no combate à Covid-19. Para
isso, é fundamental que a redução nas contribuições feitas pelas
empresas ao SESI e ao SENAI seja revista, para que possamos ajudar a
salvar empresas, empregos e vidas”, sustenta Robson Andrade.
A diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas
Educacionais (Ceipe) da Fundação Getúlio Vargas, Cláudia Costin,
salienta que SESI e SENAI encontraram soluções práticas para atender
alunos de ensino regular e até dar oportunidade para jovens que estão em
casa e sem trabalho. A especialista reforça ainda que as instituições
exercem papel indispensável também no contexto da crise do coronavírus.
“O trabalho vai desde produção de máscaras, cessão de espaços para
construção de hospitais, um supercomputador que está sendo alocado para a
pesquisa sobre o coronavírus, a questão de capacitação de gente que
está em casa e que precisa de cursos a distância de curta duração”,
exemplifica.
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