Depois 43 anos abandonada, BR-163 é completamente pavimentada no trecho que liga Mato Grosso ao Pará. Rodovia é corredor estratégico para exportação de grãos
Havia um alvoroço nacionalista quando o presidente Emílio Garrastazu
Médici anunciou, em 1971, a estratégia de unir o Brasil continental de
Norte ao Sul. “Integrar para não entregar” era o slogan que norteava a
construção da BR-163. Começava, assim, uma epopeia que inexplicavelmente
se estenderia por 43 anos desde a sua inauguração, em 20 de outubro de
1976. A BR-163 se tornaria uma rodovia sem fim, desacreditada e
abandonada por sucessivos 10 presidentes (de Ernesto Geisel a Michel
Temer). Virou um pesadelo para governadores, prefeitos, produtores,
moradores e investidores.
A história interrompida ganhou um ponto final no dia 28 de
novembro deste ano. Anunciada nos meses de 2019 como uma das grandes
obras do governo Jair Bolsonaro, a conclusão da BR-163, finalmente, foi
consolidada numa força-tarefa entre o Departamento Nacional de Trânsito
(DNIT) e o Exército Brasileiro. Está completamente pavimentado o
corredor de grãos que liga Mato Grosso ao Pará. A obra, no entanto,
deve ser oficialmente inaugurada em dezembro. Faltam a capa final do
asfalto, o acostamento e a pintura das faixas.
“Com orgulho, comunico a conclusão do asfalto da BR-163 até
Miritituba (PA). No carnaval, em nome do presidente Jair Bolsonaro,
prometi a caminhoneiros numa fila de 50 km por conta da lama, que seria a
última vez que passariam por aquilo. O Exército e o DNIT cumpriram a
missão”, comemorou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, em
seu Twitter. Nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro também
comemorou a notícia, destacando a diminuição nos custos de exportação
dos produtos agrícolas. "Essa obra é no coração do agronegócio e vai
diminuir os custos de exportação."
Tarcísio de Freitas, aponta que, agora, a distância para os
mercados consumidores da Ásia e da Europa encurtou. “Seremos mais
competitivos e vamos diminuir o custo para o produtor. É mais dinheiro
que sobra para novos investimentos e mais empregos gerados. Inserimos o
Brasil de novo como um grande player mundial, principalmente, no agronegócio”.
O facho de luz sobre a então abandonada BR-163 foi lançado no
começo de 2019. Em ação interministerial, o governo federal anunciou a
conclusão do trecho paraense da BR-163. A obra fazia parte de um plano
maior de infraestrutura de escoamento de grãos do estado de Mato
Grosso (há nove anos, recordista nacional de safra). Trata-se do Arco
Norte, definido pelo Executivo como um plano estratégico que compreende
portos ou estações de transbordos dos estados de Rondônia, Amazonas,
Pará, Amapá e Maranhão. “A logística do escoamento da safra de grãos do
Mato Grosso até o Porto de Miritituba (PA) é um gargalo da
infraestrutura do País e terá nossa atenção a curto (Operação Radar),
médio (conclusão da BR-163) e longo prazo (Ferrogrão)”,
explicou Tarcísio de Freitas.
OPERAÇÃO RADAR
Encerrada em maio deste ano, a Operação Radar instalou bases
operacionais e três trechos da BR-163, nos pontos críticos localizados
entre os municípios paraenses de Novo Progresso e Moraes Almeida.
“Organizamos essa grande operação para evitar a formação de filas e
permitir que o escoamento chegue tranquilamente aos portos do Arco Norte
que crescem cada vez mais”, comemorou o ministro da Infraestrutura.
Iniciada em 2 de dezembro de 2018, a Operação Radar implantou
sinalização específica para o controle do tráfego, mobilizando 900
pessoas de equipes do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (DNIT) e do Exército. Foram 40 veículos e equipamentos
especiais, como picapes, retroescavadeiras, contêineres, caminhões
carroceria, caminhões tanque, tratores agrícolas, motoniveladoras,
escavadeiras hidráulicas e cavalos mecânicos com reboque.BR EM MOVIMENTO
A finalização da Operação Radar desembocou na conclusão da BR-163.
Dos 707,4 quilômetros da BR-163/PA, faltavam 51 quilômetros a serem
asfaltados, divididos em dois lotes: três quilômetros, na Vila do
Caracol, sob a responsabilidade da Construtora Agrienge; e 48
quilômetros em Moraes de Almeida, sob responsabilidade do Exército. Aos
poucos, o sonhado “chão preto”, como os moradores chamam o asfalto,
cobriu as crateras abertas no mar de atoleiros.
Desde o fim da estação de chuvas na região, 51 novos quilômetros já
foram pavimentados. “Concluir a pavimentação da BR-163 foi um grande
desafio. É a realização de um sonho brasileiro com a pavimentação. Essa
estrada impulsionará a economia do País, escoando produtos agrícolas
pelo Brasil e incrementando a exportação para outros países. Após 43
anos da inauguração, nós faremos essa tão almejada entrega à sociedade
brasileira”, projetou o general Santos Filho, diretor-geral do DNIT.DE VOLTA AOS MILITARES
Assim, numa quase ironia do destino, a BR-163, que começou pelas
mãos de um presidente militar Médici, vai ser inaugurada por outro
mandatário oriundo das Forças Armadas: Jair Bolsonaro. Sobre o andamento
da obra da rodovia Cuiabá-Santarém, o presidente escreveu, em 29 de
agosto deste ano: “Assim como muitas outras rodovias com obras
abandonadas ou estado crítico pelo Brasil, o Exército e o Ministério da
Infraestrutura vêm trabalhando forte para trazer de volta as condições
mínimas de trafegabilidade e de segurança aos usuários das BRs. Dia e
noite de trabalho”, comemorou.
Além da conclusão da BR-163, 1.300 quilômetros da rodovia passaram
por recuperação com manutenção entre Sinop (MT) e Santarém (PA). O DNIT
também iniciou o trabalho de hidrossemeadura na região – quando há
aplicação de sementes para criar vegetação de proteção no local. O
objetivo da medida é proteger os taludes de erosões. “Essa rodovia,
infelizmente, ficou muito tempo parada. A gente sofria na época das
chuvas, porque não tinha a mínima infraestrutura, não tinha manutenção
na via. A gente tinha que se virar”, afirma Eurico Tadeu, presidente do
Sindicato dos Transportadores Autônomos do Pará.
ROTA OESTE É OÁSIS
Com 3579 km, a BR-163 é uma rodovia longitudinal, que liga as
cidades de Tenente Portela (Rio Grande do Sul) a Santarém (Pará),
existindo ainda um trecho complementar localizado entre as cidades
paraenses Oriximiná e Óbidos. O caráter de integração a transformou num
dos principais corredores logísticos para a exportação de grãos do maior
produtor brasileiro: o estado de Mato Grosso.
Em 20 de março de 2014, dois trechos da rodovia foram entregues à
iniciativa privada por meio de concessões de 30 anos. Sob vigência da
empresa da Odebrecht TransPort, a chamada Rota do Oeste situa-se entre
os municípios Itiquira (MT) e Sinop (MT), com extensão de 850,9
quilômetros. Ao todo, 19 municípios estão compreendidos na
extensão concedida, entre eles a capital mato-grossense, Cuiabá, e as
cidades de Rondonópolis, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso e
Sinop, principais produtores de agrícolas do Estado campeão na produção
de grãos e leguminosas. A Rota do Oeste entregou em março de 2016
um trecho de 117,6 quilômetros duplicados, da divisa com Mato Grosso do
Sul a Rondonópolis. Foram realizados trabalhos de recuperação do
pavimento, sinalização e reordenamento de tráfego.
TEMPO PERDIDO
Desde a inauguração da rodovia em 20 de outubro 1976, 10
presidentes passaram pelo Palácio do Planalto sem resolver a
pavimentação do trecho paraense. De Ernesto Geisel a Michel Temer, de
formas e ações diferentes, o Executivo tangenciou a conclusão das
obras. Durante o segundo mandato (1998-2002), Fernando Henrique
Cardoso, por exemplo, afirmou que concluiria a rodovia até o ano de
2002, mas não cumpriu a palavra. Dois anos depois, o presidente Luís
Inácio Lula da Silva lançou o plano “BR-163 Sustentável”, mas a
pavimentação também não saiu do papel. O asfaltamento foi incluído no
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), nas gestões Lula
(2006-2010) e Dilma Rousseff (2010-2014), mas a obra mais uma vez ficou
incompleta.
O projeto de pavimentação final da rodovia é fruto de um convênio
firmado com o Exército, ainda durante o governo do ex-presidente Michel
Temer, em 2017. Somente entre os anos de 2008 e 2019, segundo dados do
DNIT, foram investidos mais de R$ 3,6 bilhões na obra de asfaltamento da
Cuiabá-Santarém.
CONSTRUÇÃO POLÊMICA
Quando a obra da construção da BR-163 começou, o Mato Grosso não
tinha sido dividido (o estado foi geograficamente repartido em 11 de
outubro de 1977). Na ocasião, o 9º Batalhão de Engenharia e Construção
(9º BEC) começou o processo de abertura da rodovia, a partir da capital
mato-grossense. Simultaneamente, o 8º BEC iniciava o mesmo procedimento,
mas no sentido oposto, vindo do interior paraense.
Numa ação de caráter nacional, 1,5 mil homens mobilizados, entre
militares e civis, embrenharam-se pelas matas para abrir o traçado da
rodovia. O clima era um misto de patriotismo e aventura, com alimentos
sendo jogados por aviões do Exército. À medida em que as frentes
avançavam, todos ficavam mais isolados e sujeitos as intempéries da
floresta.
A malária foi implacável com alguns trabalhadores, matando 32
deles. Mas nada foi tão assustador quanto o drama dos índios Panarás,
que viviam em paz e isolados em suas terras originárias. Foram quase
dizimados pelo contato humano. De 400 índios, sobreviveram 79, sendo
levados às pressas para o Alto do Xingu. Hoje, a população voltou ao
território de origem e segue preservada.
A inauguração foi em Cachoeira de Curuá (PA) e o presidente Geisel
e sua comitiva percorreram 87 quilômetros de terra no barro batido para
chegar ao local. Exaustos, foram compensados depois, com passeios por
rios e igarapés intocáveis. Saíram de lá felizes, com o ar de missão
cumprida. Mal sabiam eles, que, por mais de quatro décadas, a BR-163
ficaria num estado latente, como um ponto de seguimento de uma frase que
nunca terminou.
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