segunda-feira, 25 de maio de 2020

Em meio à pandemia, 460 mil acreanos ainda não têm acesso à água encanada, estima ABCON

Sem condições mínimas, população sofre para adotar medidas preventivas; no Senado, parlamentares discutem PL que abre concorrência no setor

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mais de 780 mil acreanos ainda não têm acesso ao serviço de coleta de esgoto. O dado do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) escancara uma realidade ainda comum no Brasil. Em meio à pandemia de covid-19, 460 mil moradores do estado sofrem ainda com a falta de água potável para beber, cozinhar alimentos e lavar as mãos, uma das medidas mais simples recomendadas pelas autoridades de saúde na prevenção contra a covid-19. 
O reflexo pode ser visto na saúde da população, que recorre ao Sistema Único de Saúde (SUS), se depara com unidades lotadas por pacientes com covid-19 e volta para casa sem atendimento. “A falta de investimentos em saneamento tem levado, em média, a 30 mil internações hospitalares por mês no país. Ou seja, são 30 mil leitos que não estão disponíveis para atender pacientes com covid-19 porque são ocupados por pessoas que vivem em condições insalubres”, aponta o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON), Percy Soares Neto. 
Dados do Painel Saneamento Brasil ilustram essa realidade nas duas maiores cidades do estado. Em Cruzeiro do Sul, os 87 mil moradores (100%) não têm acesso ao serviço de coleta de esgoto e quase 42 mil não são abastecidos com água tratada. Na capital, os efluentes de 79% dos mais de 400 mil habitantes não são recolhidos, enquanto 47,3% da população não recebem água potável nas torneiras (quase 190 mil pessoas).
“Para a pessoa que vive num bairro sem esgoto, não interessa se ela é 1%, 10% ou 20% da população. É um cidadão ou uma comunidade de cidadãos que não está atendida pelos serviços”, reforça Percy Soares Neto. 
Para reverter essa situação, o governo estadual traça um novo plano de saneamento que deve ser executado nos próximos anos por meio de parceria público-privada (PPP). O objetivo é universalizar a água tratada e a coleta de esgoto nos 22 municípios. Segundo estudo de concessão via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Acre pode oferecer serviços de água a toda a população em cinco anos e de esgoto, em 12.
Segundo o BNDES, mais de 20 grupos nacionais e estrangeiros já manifestaram interesse em participar da concessão de quatro empresas estaduais de saneamento, incluindo a Companhia de Saneamento do Estado do Acre (Sanacre).    
Nova legislação
No Congresso Nacional, os parlamentares devem voltar a discutir o futuro do saneamento por meio do Projeto de Lei 4.162/2019. Um dos pontos do texto determina que a Agência Nacional de Águas (ANA) passe a emitir normas de referência e padrões de qualidade para os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão do lixo urbano e drenagem de águas pluviais. Com isso, o objetivo é trazer estabilidade regulatória - atualmente, existem cerca de 50 agências reguladoras regionais, estaduais e municipais no país, com processos diferentes de trabalho.
Baseado na concorrência entre companhias públicas e privadas, o novo marco legal prevê que os contratos de saneamento sejam firmados por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas (PPPs). “Isso vai permitir que haja segurança jurídica e um ambiente negocial confortável para que a iniciativa privada possa ingressar no setor e suprir esse enorme lapso que existe no tocante à investimento”, espera o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. 
Ainda de acordo com a proposta, a privatização dos serviços de saneamento não se torna obrigatória, apenas garante a oferta mais vantajosa para o setor, por meio de concorrência. Dessa forma, as empresas estatais podem ser mantidas, livres para participarem das concorrências, desde que se mostrem mais eficientes que as empresas privadas que participarem da licitação. 
“Isso [abertura do setor] é importante por conta do déficit que a gente vive. Os recursos públicos para investimento em saneamento são cada vez mais escassos. Com isso, há a necessidade de atrair investimentos privados para o setor. A partir da competição, ficará mais fácil chegar ao objetivo, que é a universalização do serviço”, analisa a pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/CERI) Juliana Smirdele. 
A especialista ressalva, entretanto, que a aprovação do PL 4.162/19 é apenas o primeiro passo para que a competitividade se torne praxe no setor. “Para que isso aconteça, é imprescindível uma regulação adequada e forte, contratos bem construídos, com metas bem definidas e, sobretudo, fiscalização. Infelizmente, não é o que observamos hoje em dia”, acrescenta.
Para melhorar os índices de cobertura no interior dos estados – locais que mais sofrem com falta de serviços de saneamento, a nova lei possibilita a criação de blocos de municípios. Com isso, duas ou mais cidades passariam a ser atendidas, de forma coletiva, por uma mesma empresa. Entre os critérios que poderão ser utilizados, está a localidade, ou seja, se dois ou mais municípios são de uma mesma bacia hidrográfica, por exemplo.
 

Thiago Marcolini

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