Em meio ao isolamento social, milhões de brasileiros devem passar data separados de mães e avós; videochamadas, gravações e presentes entregues em casa surgem como alternativas
Mesa
posta, família reunida, crianças correndo pela casa. A cena tão comum
no lar da secretária escolar Maria Inês Nogueira, de 74 anos, vai ser
diferente no Dia das Mães deste ano. Longe dos cinco filhos e dos oito
netos, ela ainda tenta se acostumar com a rotina silenciosa.
“Estou com muita saudade, mas estou
resignada por saber que é para o bem de todo mundo”, afirma Inês. Ela
revela que neste domingo (10) vai ficar próxima dos familiares, ainda
que distante fisicamente, por meio do celular, como tem feito na
quarentena. “Vai ser tranquilo”, acredita.
A filha caçula de Maria Inês, Kátia
Cristina Melo, de 39 anos, tem vivido um misto de sentimentos. Mãe de
dois meninos – um de sete anos e um bebê de seis meses –, a servidora
pública revela sentir saudade dos pais, mas garante que respeita o
isolamento, especialmente por eles serem idosos.
“No começo da quarentena, eu estava mais
tranquila, pensando na segurança deles, mas esta semana nos sentimos
mais tristes. Meu filho mais velho reclamou de não ver os avós”, lamenta
ela, que está desde o dia 15 de março distante de parentes e amigos.
A rotina de todo ano nessa data, segundo
Kátia, era dormir na casa dos pais no fim de semana, almoçar com toda a
família e depois visitar os sogros, também idosos. “Nesse ano, meus
irmãos e eu combinamos de gravar um vídeo e mandar para minha mãe”,
adianta.
Comemoração virtual
Em situação semelhante está Doralice Porto, de 76 anos. Avó de quatro
netos, dona Dora, como é conhecida pelos mais próximos, tenta superar a
ausência necessária de quem ama. “Estou muito angustiada e com saudade
de todos”, lembra a vovó coruja. Acostumada a fazer caminhadas todos os
dias e ver parentes que moram próximos a ela, Dora agora fica reclusa em
casa e sem acesso à tecnologia. “Vou ficar bem, eu entendo a situação”,
conforma-se.
Para suprir a carência por beijos e
abraços, transmissões e encontros virtuais têm sido alternativas de
algumas famílias. Mas não é todo mundo que está acostumado à nova forma
de encontros, a exemplo de dona Dora. A psicóloga Karine Vieira afirma
que a situação é ainda mais delicada para os idosos. “Vejo que as mães
mais idosas, especialmente as vovós, têm mais dificuldade e resistência a
esse tipo de contato pelo celular”, afirma.
Para a especialista, a comemoração em
meio à crise vai exigir mais jogo de cintura dos filhos e filhas do que
das próprias mães. “É saber o que cada um pode fazer conhecendo a
própria mãe. Como ela é, do que ela gosta, como ela reunia os
familiares... E assim encontrar uma forma de ela se sentir amada mesmo à
distância”, recomenda.
Em outros casos, Karine Vieira conta que
alguns pacientes lidam com a saudade dos pais de diferentes formas.
“Uma paciente diz que vai todo dia ao portão da casa da mãe dela e as
duas conversam dali mesmo, uma do lado de fora e a outra sentada no
banquinho perto da porta da sala. É uma forma de se fazer presente sem
entrar em contato direto com ela”, conta.
É assim que Camilla Porto, 37 anos, tem
feito com a mãe, Doralice, e com as irmãs. Ela diz que, sempre que pode,
tenta ver a mãe de longe, já que afirma ser muito apegada à família.
“Devo ir à porta da casa dela e dar um beijo de longe, como faço toda
semana. Eu sempre via minha mãe duas vezes ao dia. Almoçávamos juntas
todos os dias desde que nasci. Mas nessa pandemia dou um jeito de vê-la,
mesmo que sem nenhum contato”.
A advogada brasiliense, que tem uma filha, lembra que tinha planos para esse ano no Dia das Mães, que precisaram ser adiados nesse momento. “Não me recordo na vida de ter passado o Dia das Mães longe da minha. Sempre almoço em família. Embora tenhamos feito muitos planos, esse ano será longe e sem a ‘farofada’”, lamenta.
A psicóloga Karine Vieira admite que a
data deve mexer com as pessoas. Isso porque, segundo ela, passar por
datas consideradas importantes, como Dia das Mães e Páscoa, reforçam o
apelo familiar e, por isso, podem ressignificar relações.
“É um momento complicado, porque todos
nós estamos aprendendo a lidar com tudo isso, porque é novo. Uma coisa é
você poder fazer uma escolha de almoçar em casa ou fora, era essa
pergunta que estávamos fazendo no ano passado. Hoje, só temos uma
resposta: não podemos nos encontrar, não podemos nos reunir, pois
colocaria em risco a vida de outras pessoas. São muitos os sentimentos e
não existe uma fórmula pronta para isso, pois cada pessoa lida de uma
forma diferente com isso”, explica Karine.
A mãe e avó Maria Inês Nogueira já sabe o
que vai fazer quando tudo isso passar. “A primeira coisa que quero
fazer quando acabar essa quarentena é reunir a família inteira e passar
duas semanas juntos, sem separar para nada. Eu sei que vai dar muita
‘treta’, mas a gente passa”, projeta aos risos.
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