quinta-feira, 14 de maio de 2020

Possível relação entre falta de tratamento de esgoto e coronavírus pode agravar pandemia

Fiocruz investiga se águas de esgoto podem transmitir a covid-19; das 100 maiores cidades do país, mais da metade trata menos de 40% dos resíduos

Foto: Diogo Moreira/a2img / Fotos Públicas

A falta de tratamento de esgoto na maioria das cidades brasileiras pode ser um fator que colabora para a disseminação da covid-19. No fim de abril, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) encontrou presença do novo coronavírus em águas de esgoto em Niterói (RJ). Por enquanto, segundo os pesquisadores, não há confirmação científica de que esse ambiente seria capaz de transmitir a doença.

Caso os estudos comprovem essa relação, os casos da doença podem explodir no país, já que apenas 46% do esgoto gerado no Brasil passa por tratamento e tem destino adequado. Dados do Instituto Trata Brasil, com base em informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), mostram que os indicadores de saneamento básico avançam lentamente. Entre 2011 e 2018, o percentual de residências com acesso a esgoto tratado subiu oito pontos percentuais – passou 37,5% para 46%.

“O modelo que foi concebido para o saneamento no Brasil é o modelo de tarifa. Ou seja, você usa e paga pelo serviço. Diante disso, estados com economia menos desenvolvida têm capacidade de pagamento mais restrita. A disparidade regional que nós temos reflete a disparidade econômica do país”, aponta Ricardo Silveira Bernardes, engenheiro civil e sanitarista e professor aposentado do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB).

O que se observa ao analisar informações do Trata Brasil é que dinheiro não é sinônimo de serviço de qualidade. Considerando as 100 maiores cidades do país, 37 tratam menos de 40% do esgoto e, em 19, o tratamento não chega sequer a 20% do que foi produzido. Apenas 26 municípios tratam 80% ou mais dos resíduos sanitários.

Por região, os dados chamam ainda mais atenção. Enquanto no Centro-Oeste o índice de tratamento é de 53,88%, na região Norte esse percentual é de 21,7%. O Nordeste tem 36,24% de esgoto tratado, frente a 45,44% no Sul e 50,09% no Sudeste.

O levantamento do Trata Brasil revela ainda que há disparidade no tratamento de esgoto entre municípios da mesma região. Em Piracicaba (SP), por exemplo, o índice de esgoto tratado referido à água consumida é de 100%, enquanto em Nova Iguaçu (RJ), esse percentual é de apenas 1,45%.



Legislação

No Congresso Nacional, o projeto mais avançado que trata do assunto é o PL 4162/19, enviado pelo governo federal ao Parlamento. Para retomar investimentos na área de infraestrutura mais atrasada do país, a proposta cria um novo marco legal, baseado na concorrência entre empresas públicas e privadas.

O texto, que aguarda para ser analisado pelos senadores, fixa prazo de um ano para licitação obrigatória dos serviços de saneamento. Nesse prazo, as empresas estatais de água e esgoto poderão renovar os chamados “contratos de programa”, firmados com municípios sem metas a serem cumpridas. Já os novos contratos assinados a partir da vigência da lei deverão escolher a melhor proposta de prestação de serviços, seguindo critérios como eficiência e capacidade financeira.

Na avaliação do professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, José Carlos Mierzwa, as novas regras, se aprovadas, podem atrair empresas privadas que tenham interesse em investir em regiões onde “a população tem capacidade de pagamento”.

“É uma vantagem porque acabaria desonerando as prefeituras. A empresa é muito mais ágil que os órgãos de governo para implantação de qualquer infraestrutura, por conta dos modelos de licitação que nós temos - as amarras da licitação. Isso, atualmente, acaba dificultando pelo tempo e pela restrição de inovação tecnológica para o setor”, pondera.

Aprovado na Câmara dos Deputados, o PL 4162/19 prevê a criação de blocos de municípios na prestação de serviços de coleta e tratamento de esgoto e abastecimento de água. Com isso, duas ou mais cidades passariam a ser atendidas, de forma coletiva, por uma mesma empresa. Esse fator pode viabilizar economicamente a ampliação dos índices de cobertura em cidades menores. Entre os critérios que poderão ser utilizados, está a localidade, ou seja, se dois ou mais municípios são de uma mesma bacia hidrográfica, por exemplo.


Thiago Marcolini

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