Em Araguaína, epicentro da doença, 70% dos moradores não têm o esgoto
coletado; 40 mil pessoas em Palmas também não tem rede coletora, segundo
o Painel Saneamento Brasil
Com
6.972 casos confirmados e 132 mortes até esta esta segunda-feira (15), a
pandemia de covid-19 tem escancarado um problema estrutural no
Tocantins que vai além do colapso na saúde: a falta de saneamento
básico. No estado em que mais de 1,2 milhão de habitantes não têm coleta
de esgoto e quase 355 mil sequer têm água potável na torneira, a
recomendação de lavar as mãos para se proteger da doença se torna um
desafio diário. Os dados são do Painel Saneamento Brasil.
Enquanto a tendência identificada pela Fiocruz é que o vírus avance
em cidades do interior, como Gurupi, a situação nos grandes centros
também preocupa. Em Palmas, segunda cidade com o maior número de casos
da doença, mais de 40 mil (15%) habitantes estão mais expostos à
covid-19 por não terem acesso à rede de coleta de esgoto. Realidade que,
segundo o presidente do Trata Brasil, Édison Carlos, é ainda mais
perigosa para quem mora nas periferias.
“Como é que essas pessoas podem se higienizar, em um momento de
pandemia, se elas não têm água? Muitas usam água de poço, de cacimba, de
cachoeira, de rio. Além de não se higienizar contra o coronavírus, elas
podem adquirir outras doenças que são tradicionalmente transmitidas
pelo esgoto doméstico”, lembra.
Em Araguaína, epicentro da covid-19 no estado com 33 mortes e quase
2.850 casos, segundo a Secretaria Estadual de Saúde, 70% dos moradores
não têm o esgoto coletado e apenas 25% dos dejetos passam por
tratamento. A situação em Gurupi também preocupa. Quase 60 mil pessoas
vivem sem coleta de esgoto e menos de 24% dos resíduos domésticos são
tratados.
Um dos problemas para que o saneamento não tenha avançado é que,
quando ocorreu a privatização da empresa estadual, não houve consulta
aos municípios para obtenção de anuência. Com isso, os contratos
firmados com a Saneatins não foram readequados. Isso fez com que o
estado continuasse sem uma estrutura eficaz de alinhamento dos
incentivos da empresa privada e das prefeituras. O quadro acarretou em
avanços modestos nos serviços de esgotamento sanitário e a negligência
nas áreas rurais e cidades menores, o que, posteriormente, forçou a
reestatização dos serviços em algumas localidades.
Para o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias
Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares
Neto, a solução do problema é ampliar os investimentos no setor, o que
ajudaria a diminuir a pressão no sistema público de saúde, com menos
pessoas doentes em virtude da prestação inadequada desses serviços
essenciais.
“Para a pessoa que vive em um bairro sem esgoto, não interessa se ela
é 1%, 10% ou 20% da população. É um cidadão ou uma comunidade de
cidadãos que não está atendida pelos serviços”, ressalta.
Por ser um dos principais polos agrícolas do país, o acesso a
saneamento básico em zonas rurais é uma pauta importante para Tocantins.
Esse tema foi incluído no novo marco legal de saneamento (PL
4.162/2019), após sugestão da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) em uma das audiências públicas realizadas sobre o
assunto.
Atualmente, cerca de 30 milhões de pessoas vivem no campo, mas apenas
20% delas usam soluções adequadas para o tratamento dos dejetos. O
levantamento da Embrapa mostra também que cerca de 3,5 milhões de
habitantes do meio rural ainda não possuem banheiro – isso equivale a
14% da população do campo. “Falta um pouco desse olhar para a população
rural, especialmente das áreas isoladas. Geralmente, essas pessoas são
negligenciadas”, lamenta o pesquisador Wilson Tadeu Lopes da Silva, que
trabalha há 17 anos com o tema na Embrapa Instrumentação.
O que muita gente não sabe, segundo o pesquisador, é que o saneamento
básico que chega às áreas urbanas passa primeiro pelas zonas rurais. “A
água que a gente utiliza na cidade vem das nascentes que, geralmente,
estão presentes na área rural. Então, preservar mananciais, nascentes e
pensar na qualidade do saneamento rural é também pensar na qualidade do
saneamento urbano”, completa.
Na avaliação de Wilson Tadeu, uma das principais medidas para
garantir a sustentabilidade no campo passa pela instalação de fossas
sépticas nas propriedades rurais, que, diferentemente da rudimentar, é
um tanque vedado e os dejetos são direcionados e tratados sem contaminar
o solo e o lençol freático, além de evitar a propagação de doenças. De
acordo com dados da Embrapa, apenas 28,7% dos moradores contam com rede
pública de esgoto e/ou com fossa séptica.
Marco legal
No Congresso Nacional, os senadores tentam trazer novo fôlego ao
setor e podem votar, já em junho, o Projeto de Lei 4.162/2019. Um dos
pontos do texto determina que a Agência Nacional de Águas (ANA) passe a
emitir normas de referência e padrões de qualidade para os serviços de
abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão do lixo urbano e
drenagem de águas pluviais, incluindo a zona rural.
Baseado na concorrência entre companhias públicas e privadas, o novo
marco legal prevê que os contratos de saneamento sejam firmados por meio
de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas
(PPPs). Ainda de acordo com a proposta, a privatização dos serviços de
saneamento não se torna obrigatória, apenas garante a oferta mais
vantajosa para o setor, por meio de concorrência. Dessa forma, as
empresas estatais podem ser mantidas, livres para participarem das
concorrências, desde que se mostrem mais eficientes que as empresas
privadas que participarem da licitação.
“Isso é importante por conta do déficit que a gente vive. Os recursos
públicos para investimento em saneamento são cada vez mais escassos.
Com isso, há a necessidade de atrair investimentos privados para o
setor”, analisa a pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e
Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV/CERI) Juliana Smirdele.
Para melhorar os índices de cobertura no interior dos estados –
locais que mais sofrem com falta de serviços de saneamento, a nova lei
possibilita a criação de blocos de municípios. Com isso, duas ou mais
cidades passariam a ser atendidas, de forma coletiva, por uma mesma
empresa. Entre os critérios que poderão ser utilizados, está a
localidade, ou seja, se dois ou mais municípios são de uma mesma bacia
hidrográfica, por exemplo.
Marquezan
é formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), atuou como
âncora de jornal radiofônico e locutor de programa musical. Passou por
estágios na Agência Brasil e na Rádio Nacional, da EBC. Repórter da
Agência do Rádio desde 2016, acompanha as movimentações do Legislativo
no Congresso Nacional.
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