A Advocacia-Geral da União (AGU)
foi vitoriosa em 71% dos processos analisados pela Justiça no âmbito de
ações relacionadas à pandemia do novo coronavírus. O órgão, segundo painel
com dados atualizados de março até sexta-feira (03), já acumulava mais
de 1,6 mil pedidos de liminares que versavam sobre temas pertinentes à
doença – 144 tratavam especificamente sobre dívidas de entes
federativos.
“As ações movidas por estados e
municípios, buscando obter a suspensão judicial do pagamento de suas
dívidas com a União, são reflexo tanto da queda na arrecadação, ocorrida
em virtude das medidas de distanciamento social, como pelo aumento dos
gastos públicos exigidos para efetivação de políticas públicas de saúde e
assistência social no atual momento de calamidade pública”, esclarece o
advogado da União e coordenador-geral de Ações Originárias da
Secretaria Geral de Contencioso (SGCT), Leandro Peixoto Medeiros.
Ele explica que, no passado, a União
assumiu e refinanciou as dívidas mobiliárias de estados e municípios,
tornando-se credora da maioria desses entes. “Essas ações buscam
justamente, nesse período de excepcionalidade, obter a suspensão dos
pagamentos das parcelas devidas à União”, frisa Medeiros.
A AGU reforça que esse total de
processos não versa somente sobre dívidas. Entre os mais discutidos nas
ações em que a AGU atuou até então, estão processos movidos por
particulares para participar de seleções emergenciais do programa Mais
Médicos (490), ações movidas por estados e municípios para deixar de
pagar dívidas com a União durante a pandemia (144), pedidos para receber
o auxílio emergencial na Justiça (124) e discussões envolvendo a
aquisição de insumos, medicamentos e equipamentos destinados ao combate à
pandemia (81).
Na lista de liminares, também entram
pedidos como funcionamento de estabelecimentos e igrejas (34), o que
depende de decreto de cada unidade da federação para estabelecer regras
de abertura durante o isolamento social, e aquisição de equipamentos de
proteção individual (30).
O presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF),
César Bergo, lembra que a AGU tem como objetivo defender a União das
ações movidas contra ela, tanto particulares quanto por estados e
municípios. Das ações movidas contra o Estado nesse período, e que a AGU
obteve êxito, a maior parte diz respeito a liminares movidas por
estados e municípios para deixar de pagar dívidas com a União durante a
pandemia.
E isso está previsto na Lei Complementar 173/2020,
editada pelo governo federal em maio deste ano. A lei cria o Programa
Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, que, entre outros, suspende
as dívidas de estados e municípios até o final do ano. “A lei prevê
ajuda a estados e municípios em função da pandemia, mas em contrapartida
exige que eles paguem as dívidas com o governo ou não deem andamento às
execuções que porventura estejam na justiça”, acrescenta Bergo.
A LC 173, fruto de acordo entre governo e
Congresso Nacional, libera recursos e isenções fiscais a estados e
municípios. Em troca, o texto prevê também o congelamento de salários
dos servidores federais, estaduais e municipais até 31 de dezembro de
2021.
“Há décadas, os estados e municípios têm uma situação bastante desequilibrada. A partir da Constituição Federal,
houve vários programas de refinanciamento de dívidas, um deles é a LC
173”, pontua o professor de Finanças Públicas do Ibmec William
Baghdassarian.
Ele comenta que, normalmente, estados e
municípios prestam serviços intensivos e de mão de obra – para trabalhar
em hospitais e escolas, por exemplo. “A Constituição foi muito
‘generosa’ com esses servidores públicos e os estados mais ainda. Muitos
servidores se aposentam cedo e acabam gerando dívidas para o ente
federativo. Como a fonte de recurso é uma só, os estados têm muita
despesa com pessoal – seja ativo ou aposentado. E aí as contas públicas
não fecham”, contextualiza.
Baghdassarian acrescenta que, de 1988
para cá, depois da promulgação da Constituição Federal, o que os
programas de refinanciamento tentam fazer é trazer mecanismos de
incentivo fiscal para que estados e municípios gastem menos e equilibrem
as contas. “Hoje, mesmo que um governador queira conter os gastos, a
parcela obrigatória dos gastos representa 90% dos que eles têm que
gastar. Então, ele não consegue simplesmente cortar o gasto”, observa.
A partir dessas leis de refinanciamento,
continua ele, a União assumiu esses gastos que os entes tinham junto ao
mercado e, em troca, os estados e municípios deveriam ter uma situação
equilibrada. “Esses processos que chegam à AGU são, basicamente, de
dívidas estaduais e municipais junto à União. Eles pedem para parar de
pagar essas dívidas, que somam a situação fiscal e a pandemia”, detalha
Baghdassarian.
Estados como Bahia, Paraná e São Paulo
já pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender as dívidas. O
ministro do STF Alexandre de Moraes já concedeu liminares a 12 estados
para adiar o pagamento das parcelas da dívida pública à União por 180
dias, segundo a AGU.
O saldo devedor, segundo o advogado da
União Leandro Peixoto Medeiros, será incorporado em parcelas futuras.
“Certamente, o esforço fiscal feito pela União tanto com a suspensão de
dívidas quanto com o repasse direto de recursos gerados pela LC 173,
promove um alívio nas contas dos demais entes, que poderão ter mais
recursos para utilizar no combate à pandemia e nos seus efeitos na vida
da população.”
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