Estudo feito pela Secretaria de Política Econômica mostra que estados que investem em serviços de saneamento básico podem reduzir número de mortes pela doença
Quanto
melhor a prestação do serviço de saneamento básico no país, menor a
chance de mortes pelo novo coronavírus. A constatação é da Secretaria de
Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, que aponta que, em
algumas regiões do Brasil, os moradores perdem a vida para a covid-19
por falta de condições mínimas de coleta de esgoto e abastecimento de
água, entre outros fatores.
O estudo realizado pela secretaria está
em andamento e reúne informações do Ministério da Saúde, do Instituto
Trata Brasil e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). De acordo com os dados preliminares, Belém, Manaus e Fortaleza
lideram o ranking de cidades com o maior número de mortes por falta de
tratamento de esgoto. Em média, as capitais têm menos de 40% dos
resíduos domésticos tratados, o que eleva o risco de contaminação.
“O objetivo deste estudo é compreender a
evolução da covid-19 no Brasil. O país adotou medidas de distanciamento
social relativamente cedo quando comparamos com os principais países
europeus, como Itália, Espanha e Reino Unido. Entretanto, o número de
mortes continua se propagando com muita força e de maneira heterogênea
em diversos estados”, afirma o coordenador-geral de Modelagem Econômica
da Secretaria de Política Econômica, Otávio Teixeira.
Com o estudo, Teixeira indica que o
governo pretende compreender o que pode estar por trás dessa evolução no
Brasil, levando-se em conta as diferenças regionais. “Entre os fatores
que podem explicar essa evolução, destacamos o saneamento básico
precário de algumas regiões. O estudo aponta que regiões com alto índice
de tratamento de esgoto apresentam número reduzido de mortes, ajustando
pela população”, aponta.
De acordo com a Secretaria de Política
Econômica, outros fatores podem contribuir com essa discrepância, como o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada estado, o número de
leitos de UTI disponíveis, escolaridade, grau de isolamento social,
incidência de morbidades, idade média e expectativa de sobrevida, renda
per capita, densidade demográfica e qualidade da habitação. “Todos estes
fatores podem ajudar a elucidar o comportamento da covid-19 no Brasil”,
lembra Teixeira.
O presidente do Instituto Trata Brasil,
Édison Carlos, reforça que a falta de saneamento potencializa ainda mais
o risco de morte por covid-19 e lamenta que o Brasil esteja distante da
universalização dos serviços de água e esgoto. Dados publicados no
início do ano pela entidade atestam que 35 milhões de brasileiros ainda
vivem sem abastecimento de água tratada (16,38%), impedidos de adotar
medidas preventivas contra a doença. Segundo Édison Carlos, a maior
parte dessa população vulnerável mora nas periferias.
“Como é que essas pessoas podem se
higienizar, em um momento de pandemia, se elas não têm água? Muitas
dessas pessoas usam água de poço, de cacimba, de cachoeira, de rio. Além
de não se higienizar contra o coronavírus, elas podem adquirir outras
doenças que são tradicionalmente transmitidas pelo esgoto doméstico”,
registra o presidente do Trata Brasil.
Na região metropolitana de Belém, cidade
citada pelo estudo da SPE, mais de dois milhões de habitantes (90,1%)
não tem acesso à coleta de esgoto e mais de 900 mil (39,8%) não recebem
água tratada nas torneiras de seus domicílios. A situação na região
metropolitana de Manaus também preocupa. Dos mais de 2,5 milhões de
moradores, nove em cada dez não tem o esgotamento sanitário coletado,
enquanto mais de 528 mil vivem sem acesso à água potável. Já os
indicadores na região metropolitana de Fortaleza são melhores, mas ainda
aquém do ideal. Para 3,5 milhões de residentes dessa área, água
encanada e rede de esgoto ainda não são um direito garantido.
“Infelizmente, a falta de saneamento tem
a ver com esse momento. Quando você fala para a população que a
principal ação de proteção é o isolamento e a higiene, especialmente a
das mãos, como fazer com quem não tem água? E milhões de brasileiros não
têm acesso a ela”, critica Édison Carlos.
Coronavírus x esgoto
No fim de abril, um estudo da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) descobriu material genético do novo coronavírus
dentro do sistema de esgoto de Niterói (RJ). Os locais escolhidos para
coleta de amostras incluíram bueiros, estações de tratamento e pontos de
descarte de esgoto hospitalar. No primeiro resultado divulgado, foram
encontrados traços do vírus em cinco das 12 áreas pesquisadas: quatro no
bairro de Icaraí e uma em Jurujuba.
Apesar disso, os especialistas reforçam
que ainda não há evidências de que seja possível contrair a covid-19
pelo esgoto. “É possível investigar presença de fragmentos do vírus no
esgoto e isso traz uma informação importante do quanto a população está
exposta ao coronavírus. Mas a presença do vírus viável, capaz de causar a
contaminação, ainda não foi verificada”, esclarece o professor do
Instituto de Química da UnB e especialista em epidemiologia do esgoto,
Fernando Fabriz Sodré.
Enquanto a comunidade científica estuda a
relação entre coronavírus e esgoto, no Congresso Nacional, os
parlamentares devem voltar a discutir o Projeto de Lei 4.162/2019, que
cria o novo marco legal do saneamento. O texto estabelece novas
atribuições à Agência Nacional de Águas (ANA), como a emissão de normas
de referência e padrões de qualidade para os serviços de abastecimento
de água, esgotamento sanitário, gestão do lixo urbano e drenagem de
águas pluviais.
A principal bandeira do projeto é a
abertura de concorrência no setor para alavancar investimentos. Caso o
PL seja aprovado, empresas estatais e privadas devem, obrigatoriamente,
passar por licitação, ao contrário do que ocorre atualmente com os
chamados contratos de programa. O objetivo é alcançar a universalização
por meio da melhor proposta para a prestação dos serviços, com garantias
de capacidade econômico-financeira e metas a serem cumpridas.
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