A ratificação do Protocolo de Nagoya, em análise no Senado por meio do PDL 324/2020, pode evitar que o setor produtivo brasileiro seja prejudicado pelas políticas de uso e compartilhamento do patrimônio genético mundial. A avaliação de especialistas é que a não adesão ao acordo já ratificado por 126 países pode mantar o Brasil alheio a discussões internacionais e sem possibilidade de defender seus interesses.
É nessa linha que o doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais e sócio-diretor da consultoria Agroicone, Ricardo C. A. Lima, alerta para possíveis perdas no agronegócio, responsável por 21,4% do PIB nacional em 2019, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Ainda que o tratado tenha sido assinado pelo Brasil há 10 anos, Lima aponta que muitas lacunas ainda precisam ser preenchidas pelas nações que fazem parte da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
“Pode ter um país que queira fazer cobranças abusivas pelo uso de um produto que teve origem nele, o que pode chegar a impactar no preço de alimentos no Brasil. O protocolo é um quebra-cabeça que precisa ser montado. E a gente só vai ser capaz de montar esse quebra-cabeça no sentido original da proposta, que é compartilhar recursos da biodiversidade e repartir benefícios por causa disso, se a gente ‘jogar o jogo’ do protocolo”, afirma o especialista.
Uma
das principais discussões que interessa ao agronegócio é que o Brasil
negocie na CDB, a partir das regras já definidas em Nagoya, a não
taxação sobre produtos considerados essenciais para a alimentação. Isso
porque o tratado internacional define que os lucros de produção e a
venda de produtos elaborados com recursos genéticos serão
obrigatoriamente compartilhados com o país de origem, por meio do
pagamento de royalties, estabelecimento de parcerias, transferência de
tecnologias ou capacitação.
Em um exemplo prático, países podem
querer cobrar por espécies essenciais ao agronegócio brasileiro. Isso
porque a soja, por exemplo, é um grão de origem chinesa, assim como no
caso da cana-de-açúcar, originária do sul da Ásia, e o café, nativo da
Etiópia. O problema, segundo Ricardo Lima, é que essas espécies se
espalharam pelo mundo há centenas de anos, o que impediria a
reinvindicação dos países detentores dos direitos sobre os recursos
genéticos.
“Como a lei de um país pretende ser
implementada em território de outros países de uma forma retroativa?
Isso é super discutível e ilegal no final das contas, e o Brasil precisa
estar lá para discutir isso”, defende o especialista. Mesmo que
acredite que esse tipo de taxação seja improvável, especialistas temem
que a polêmica em torno dessa discussão cause mal-estar nas relações
internacionais e dificulte o acesso ao patrimônio genético de outros
países, como sementes ou animais para reprodução.
Benefícios
Além de
permitir que o Brasil tenha voz ativa no debate da agenda global de
biodiversidade, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), membro da
Comissão Externa sobre Integração entre Meio Ambiente e Economia,
considera que a ratificação do Protocolo de Nagoya pode trazer ainda
mais tecnologia e inovação ao campo. Prova disso, de acordo com o
parlamentar, foi o acordo histórico entre ruralistas e ambientalistas.
“A aprovação unânime reafirma nossa
disposição de apresentar uma harmonia entre o agro e o meio ambiente,
entre a produção e a preservação, mostra que o Brasil é capaz de fazer
isso. Essa adesão é muito simbólica e positiva. Isso significa uma
oportunidade ao Brasil de dialogar com essa questão ambiental de forma
propositiva, respeitando esse acordo em torno da biodiversidade”,
resume.
O mestre em Direito e consultor de
Propriedade Intelectual da Biotec Amazônia, Luiz Ricardo Marinello,
enxerga a adesão brasileira ao acordo como primeiro passo em direção ao
desenvolvimento sustentável, visto que o país possui a maior
biodiversidade do mundo. A transferência de tecnologia, citada por
Arnaldo Jardim, é outro mecanismo elogiado pelo especialista.
Pelo Protocolo de Nagoya, além do
pagamento de royalties, o Brasil pode ser compensado pela exploração de
espécies nacionais no exterior por meio do compartilhamento de
informações técnico-científicas. Na prática, isso significa que se uma
espécie de planta brasileira, por exemplo, é estudada para fins
comerciais, o conhecimento pode ser transferido para o governo, empresas
ou pesquisadores brasileiros.
“Um dos grandes objetivos da CDB é a
transferência de tecnologia. Se existe a possibilidade do Brasil receber
tecnologia de fora tendo como contrapartida a sua biodiversidade, de
forma sustentável e inteligente, isso pode ser um grande negócio. Pode
ser uma alavanca para o Brasil se tornar um país realmente
desenvolvido”, aposta Marinello.
A votação do PDL 324/2020, que ratifica o texto do Protocolo de Nagoya, deve ocorrer ainda em julho no Senado.
Fonte: Brasil 61
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